Chegará ao fim em dezembro uma das publicações que marcou a
imprensa brasileira: a Playboy. É preciso reconhecer que, antes de ser recheada
de nus femininos, seu carro chefe, a revista trouxe diversas excelentes
reportagens e ótimas entrevistas. Dentre as reportagens, destaca-se, dentre
outras, o “encontro” de Carlos Zéfiro, famoso desenhista dos “catecismos”,
gibis eróticos, que circularam na clandestinidade nos anos 60 e 70, de 1991.
Entre as “conversas francas”, foram entrevistados de Lula a Jean Willys, de
Fernando Henrique a Marco Feliciano, algo que, para os tempos atuais de
extremismo à Direita que vêm marcando a Editora Abril, pode ser considerado
algo democrático sempre ouvindo personagens controversos da Direita e da
Esquerda. Assim como os ensaios, alguns clássicos como os de Christiane
Torloni, Magda Cotrofe, Luciana Vendramini e outras musas, elas vão acabar em
2016 a menos que outra editora se interesse em seguir com a marca. A Abril já
disse que não quer.
É preciso sair do círculo brasileiro para entender que a
própria matriz estadunidense, que está revendo conceitos e informou que não
publicará mais nus, também enfrenta as revezes dos tempos atuais. A revista foi
criada em 1953 por Hugh Hefner e tinha como ideia original mostrar aquilo que jovens
adultos queriam ver: carros, bens de consumo, comportamento e matérias de seu
interesse. Hefner acreditava que, mais que mulheres, o jornalismo faria
fidelidade entre o produto e os leitores. E estava certo. A marca se valorizou,
a revista se internacionalizou e em 1975, a Playboy chega ao Brasil com o nome
de Homem, pois a censura da ditadura
militar vetara o nome original, mas ele será adotado em 1978. Como a revista,
que prezou pelo jornalismo antes das mulheres pode ter selado seu fim, então?
Simples. A ideia de fazer uma revista para homens inspirou
diversas editoras a lançarem concorrentes ou revistas genéricas sem, necessariamente,
apelar, para o nu. Várias surgiram e sumiram, pois a Abril tinha bala na agulha
para um cachê gordo e fotografar uma Luiz Brunet no seu auge, por exemplo. Mas
a própria Abril dá munição para uma outra publicação sua, a VIP, com mulheres
seminuas e em poses sensuais que, com bom jornalismo acaba suplantando, nesse
campo, a coirmã. Restaria à Playboy centrar fogo naquilo que ea sempre soube
fazer de melhor: os ensaios nus, afinal, a revista que teve como capa mulheres
do calibre de uma Claudia Raia, uma Luma de Oliveira e uma Monique Evans no seu
esplendor, não poderia perder a mão nesse campo. Perdeu.
No ano 2000, quando começou a febre do Big Brother Brasil, a
Playboy conseguiu prioridade em fotografar as sisters que mais se destacassem no programa no aspecto beleza. E
lançou mão dessa prioridade durante todas as edições. Não se nega que
apareceram mulheres maravilhosas durante essas safras, inclusive surpresas. Em
2011, quando o programa revelou a transexual Ariadna, a revista disse que “não
era de interesse do seu público ver a moça em suas páginas”. Realizada uma
pesquisa pela Internet sobre qual sister
deveria ser a estrela da revista, a vitória de Ariadna foi acachapante e a
Playboy dedicou à moça uma edição especial. Foi a segunda transexual a figurar
na revista. A outra tinha sido Roberta Close, com muito sucesso à época. O
problema foi que, por lindas que fossem, essas mulheres (bem como outras,
atrizes, apresentadoras, funkeiras) eram bonitas, tinham corpos perfeitos, mas
não tinham algo que está difícil de encontrar: sex appeal. Também, as fotos de outrora,
muitas dignas dos mais belos exemplares de exposições artísticas, perderam
espaços para closes exagerados, alguns obscenos. Mulheres “normais” em poses
grosseiras fizeram a revista perder público. Além do quê, as sucessivas crises
que abalaram a editora Abril, que atravessa um momento complicadíssimo (Além da
Playboy, outras duas revistas serão “descontinuadas” e jornalistas foram
demitidos) e a facilidade de encontrar as mesmas fotos em qualquer site na
Internet safando um curioso de gastar cerca de 15 reais para comprar uma revista
também foram determinantes.
Tempos em que a vida “estilo playboy” e o jeito “macho” de
ser são vistos com certa antipatia por feministas e homens que defendem a
valorização das mulheres e não as veem como um pedaço de carne mais a
tecnologia em todos os lados (inclusive em excessos de photoshop em algumas
fotos. A Playboy virou piada em 2005 por “apagar” o umbigo de uma modelo numafoto em que houve retoque) selaram o fim da revista mais amada por adolescentes
e fãs de boas reportagens. O Brasil não é o primeiro país onde a revista fecha
as portas. Em alguns, ela voltou depois de um hiato. No fim, a própria Playboy,
com erros internos (dispensa ou demissão de ótimos profissionais de fotografia
e jornalismo, assuntos fúteis demais, má escolha em modelos), jogou na lama uma
bela história construída, aqui no Brasil como na sua sede, muito além de peitos
e bundas. Quem gosta de uma boa entrevista (mesmo com as perguntas clássicas “Com
quem foi sua primeira vez?”, “Como foi?”, “Você já comeu alguma capa da
PLAYBOY?”) e uma boa reportagem ficará órfão da revista mesmo sabendo que os
bons tempos dela já estavam longe.
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