sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A Playboy derrubou a Playboy. Nada mais.

Chegará ao fim em dezembro uma das publicações que marcou a imprensa brasileira: a Playboy. É preciso reconhecer que, antes de ser recheada de nus femininos, seu carro chefe, a revista trouxe diversas excelentes reportagens e ótimas entrevistas. Dentre as reportagens, destaca-se, dentre outras, o “encontro” de Carlos Zéfiro, famoso desenhista dos “catecismos”, gibis eróticos, que circularam na clandestinidade nos anos 60 e 70, de 1991. Entre as “conversas francas”, foram entrevistados de Lula a Jean Willys, de Fernando Henrique a Marco Feliciano, algo que, para os tempos atuais de extremismo à Direita que vêm marcando a Editora Abril, pode ser considerado algo democrático sempre ouvindo personagens controversos da Direita e da Esquerda. Assim como os ensaios, alguns clássicos como os de Christiane Torloni, Magda Cotrofe, Luciana Vendramini e outras musas, elas vão acabar em 2016 a menos que outra editora se interesse em seguir com a marca. A Abril já disse que não quer.
É preciso sair do círculo brasileiro para entender que a própria matriz estadunidense, que está revendo conceitos e informou que não publicará mais nus, também enfrenta as revezes dos tempos atuais. A revista foi criada em 1953 por Hugh Hefner e tinha como ideia original mostrar aquilo que jovens adultos queriam ver: carros, bens de consumo, comportamento e matérias de seu interesse. Hefner acreditava que, mais que mulheres, o jornalismo faria fidelidade entre o produto e os leitores. E estava certo. A marca se valorizou, a revista se internacionalizou e em 1975, a Playboy chega ao Brasil com o nome de Homem, pois a censura da ditadura militar vetara o nome original, mas ele será adotado em 1978. Como a revista, que prezou pelo jornalismo antes das mulheres pode ter selado seu fim, então?
Simples. A ideia de fazer uma revista para homens inspirou diversas editoras a lançarem concorrentes ou revistas genéricas sem, necessariamente, apelar, para o nu. Várias surgiram e sumiram, pois a Abril tinha bala na agulha para um cachê gordo e fotografar uma Luiz Brunet no seu auge, por exemplo. Mas a própria Abril dá munição para uma outra publicação sua, a VIP, com mulheres seminuas e em poses sensuais que, com bom jornalismo acaba suplantando, nesse campo, a coirmã. Restaria à Playboy centrar fogo naquilo que ea sempre soube fazer de melhor: os ensaios nus, afinal, a revista que teve como capa mulheres do calibre de uma Claudia Raia, uma Luma de Oliveira e uma Monique Evans no seu esplendor, não poderia perder a mão nesse campo. Perdeu.
No ano 2000, quando começou a febre do Big Brother Brasil, a Playboy conseguiu prioridade em fotografar as sisters que mais se destacassem no programa no aspecto beleza. E lançou mão dessa prioridade durante todas as edições. Não se nega que apareceram mulheres maravilhosas durante essas safras, inclusive surpresas. Em 2011, quando o programa revelou a transexual Ariadna, a revista disse que “não era de interesse do seu público ver a moça em suas páginas”. Realizada uma pesquisa pela Internet sobre qual sister deveria ser a estrela da revista, a vitória de Ariadna foi acachapante e a Playboy dedicou à moça uma edição especial. Foi a segunda transexual a figurar na revista. A outra tinha sido Roberta Close, com muito sucesso à época. O problema foi que, por lindas que fossem, essas mulheres (bem como outras, atrizes, apresentadoras, funkeiras) eram bonitas, tinham corpos perfeitos, mas não tinham algo que está difícil de encontrar: sex appeal. Também, as fotos de outrora, muitas dignas dos mais belos exemplares de exposições artísticas, perderam espaços para closes exagerados, alguns obscenos. Mulheres “normais” em poses grosseiras fizeram a revista perder público. Além do quê, as sucessivas crises que abalaram a editora Abril, que atravessa um momento complicadíssimo (Além da Playboy, outras duas revistas serão “descontinuadas” e jornalistas foram demitidos) e a facilidade de encontrar as mesmas fotos em qualquer site na Internet safando um curioso de gastar cerca de 15 reais para comprar uma revista também foram determinantes.
Tempos em que a vida “estilo playboy” e o jeito “macho” de ser são vistos com certa antipatia por feministas e homens que defendem a valorização das mulheres e não as veem como um pedaço de carne mais a tecnologia em todos os lados (inclusive em excessos de photoshop em algumas fotos. A Playboy virou piada em 2005 por “apagar” o umbigo de uma modelo numafoto em que houve retoque) selaram o fim da revista mais amada por adolescentes e fãs de boas reportagens. O Brasil não é o primeiro país onde a revista fecha as portas. Em alguns, ela voltou depois de um hiato. No fim, a própria Playboy, com erros internos (dispensa ou demissão de ótimos profissionais de fotografia e jornalismo, assuntos fúteis demais, má escolha em modelos), jogou na lama uma bela história construída, aqui no Brasil como na sua sede, muito além de peitos e bundas. Quem gosta de uma boa entrevista (mesmo com as perguntas clássicas “Com quem foi sua primeira vez?”, “Como foi?”, “Você já comeu alguma capa da PLAYBOY?”) e uma boa reportagem ficará órfão da revista mesmo sabendo que os bons tempos dela já estavam longe.

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