segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Antes das redes sociais como as pessoas mostravam seu amargor?

Leio num site (o bom Catraca Livre) a afável notícia de uma menina de quatro anos, filha de um tatuador, que fez uma tatuagem em seu pai. Desenhou um moranguinho com a peculiar arte que a idade empresta. A reação à notícia nas redes sociais é imediata. Entre um e outro elogio ao terno momento de fofura uma enxurrada de críticas. Alguns indignados com permitir que a filha use agulhas. Outros, que devem ter visto a manchete e a foto e tirado a associação “lógica”, que o pai é um criminoso por ter feito tatuagem numa menina de quatro anos. E uns tantos criticando o desenho em si. Várias pessoas disseram que a parte verde do desenho parece uma folha de maconha. Enfim, o festival de absurdos desanima.
Não sei se é por ter uma filha de idade próxima à dessa menina ou o fato de eu sempre gostar de crianças e sempre me permitir brincar com elas ou, ainda, eu ter, talvez, uma interpretação de texto (ou mesmo um sentimentalismo) melhor que esse povo, mas a notícia me tocou. O que vi ali foi uma criança marcando em seu pai um desenho eterno, um gesto de amor que qualquer pai carregaria com orgulho. O pai, como tatuador, deve manjar da arte e fazer desenhos muito bons, mas esse moranguinho rústico é, de longe, o mais bonito de todos para ele, pois foi dedicado.
O que me surpreende, voltando à notícia, é ver como as pessoas andam amargas ou maldosas. Como está difícil para essa turma ver doçura num gesto pequeno e está fácil ver maldade. Como uma criança de quatro anos vai desenhar UMA FOLHA DE MACONHA, algo que tantos demonizam, mas para uma criança – se reconhecer uma – é apenas uma plantinha?
O que essas pessoas faziam antes das redes sociais? Quando o máximo que se podia ser feito para fluir maldade e rancor era falar mal de um terceiro a uma vizinha ou a um colega do trabalho, como essas pessoas lidavam com a impressão de serem estúpidas ou somente amargas? Claro que num desses “desabafos”, ela sempre encontrava alguém que, por identificação ou igual falta de doçura, endossava essa coisa horrível, essa falta de deus no coração que era qualquer coisa que ela não concordasse ou achasse imoral (essas pessoas acham coisas demais imorais).
Se uma criança fizesse uma tatuagem no pai, primeiro, iriam dizer que o pai é uma má influência por ter tatuagem (afinal tatuagem é coisa ou de marinheiro ou de bandido). Depois iriam dizer comentar que, como todo tatuado, o pai usa drogas e, por isso, a filha sabia o que era uma folha de maconha (afinal toda generalização é verdadeira menos essa) além de outros absurdos. A diferença: O máximo que atingiria seria duas ou três pessoas. Cinco numa hipérbole.
As redes sociais conseguiram unir essas pessoas. Puderam trocar experiências em amargura e falta de tato. Puderam destilar um pouco do que seus corações frios guardam, mas, sobretudo, mostraram o quão triste é ser assim. Ver maldade numa mera tatuagem, ver abuso num afeto. Nem falo sobre ofender negros e seus ícones de beleza. Racismo sempre existiu (infelizmente) e está abaixo do amargor que é o tema aqui. É completa estupidez e boçalidade. Dignas de cadeia. Somente.

Que isso não chegue a essa simpática família. E se chegar que inspire pai e filha (ainda que a idade a alheie de tamanha insensatez) a fazerem outro morango, ou, em homenagem a tamanho amargor, um limão. Feito por essa pequena artista seria mais lindo que tudo o que foi escrito sobre.

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