terça-feira, 17 de novembro de 2015

Eu e meu pior leitor ou Dr. Jekyll & Mr. Hyde de caneta na mão

Ontem, depois de um longo tempo, escrevi uma poesia. Um soneto, como todos os meus, sem muita bola pra métrica, martelos e escolas. Preservo apenas a rima, que considero indispensável numa poesia. Com o perdão dos modernos e pós-modernos e respeito a eles, mas meu reduto clássico repousa nas rimas. Seja como for, depois de um bom tempo, escrevi um soneto, o que eu fazia quase em escala industrial. O tempo livre era demasiado e as preocupações eram poucas.
Conta é que eu escrevi esse soneto ontem. E hoje, meu pior leitor teve acesso a esse escrito. E para variar não gostou.
Tenho sérios problemas com esse meu pior leitor porque ele é, ninguém menos que eu mesmo. E isso, às vezes, me incomoda. Como posso, ao escrever, gostar do que acaba de sair (e confesso que ao fim do soneto, achei-o interessante) para poucas horas depois quase me arrepender de tê-lo escrito? Não é uma sensação nova. Sinto-a desde quando comecei a escrever, com uns dezoito anos.
Também o contrário, às vezes, acontece. Escrevo alguma coisa que, no último ponto, me desagrada. Penso “Poderia ser melhor”, mas deixo assim mesmo. Quando muito dou um retoque (e entendo a expressão “emenda pior que o soneto”). Passam-se dias, meu pior leitor vem, lê e fala na minha alma “Não acredito que você escreveu isso! Está muito bom!”. Meu pior leitor é meu maior crítico e um sujeito que, pelo visto, ama me sacanear. Só eu não entendo esse momento esquizofrênico de escrita e leitura tão dissonantes numa mesma pessoa.
Há muitos anos, conversando isso com minha ex-psicóloga, ela me aconselhou a ler algo sobre Dr. Jekyll e Mr. Hyde, que são a mesma pessoa. Quem não conhece, a história conta sobre o brilhante Dr. Jekyll que tem seu lado demoníaco ao qual chama de Mr. Hyde. Cheguei a essa conclusão. Escrevendo sou um Dr. Jekyll (que presunção!) e ao ler sou o Mr. Hyde. No filme, Jekyll garante que tem controle sobre seu lado mau, mas não é o que acontece. Hyde toma cada vez mais conta de Jekyll e se transforma quase em sua primeira natureza.
Bem é verdade que minha vida anda atribulada. Fim de ano, notas a fechar e entregar, aulas a ministrar, cansaço, expectativa, um caldeirão fervilhante que impede mais e melhores escritos. Porém, escrever, para mim, é, quando não uma terapia em que solto bichos e coisas que não saberia falar, uma diversão. Escrever, ao lado de ler, sempre foi um prazer do qual eu não me privava se tenho oportunidade. O problema é que, além de todos os contratempos, esse Mr. Hyde que se esconde em mim, às vezes, tem atacado meu Jekyll escritor a pauladas fatais. Inspiração para um poema, uma crônica até tenho. Só que antes deles virem à luz vem meu pior leitor e impede que o aconteça. Pegar esse censor íntimo dormindo permite respirar em letras como aconteceu ontem.
Acho interessante ter o lado crítico e sensato para impedir, ou mesmo parar, qualquer coisa que esteja sendo escrita e não seja boa. Mas me agradar tem sido complicado. Espero controlar esse Hyde maldito ou dar nele as mesmas pauladas que levo. Enquanto isso, a cada sono dele, um poema novo pode sair. Enquanto isso, o blogue vai sendo construído. Com essas postagens ele não implica.

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