Ontem, depois de um longo tempo, escrevi uma poesia. Um
soneto, como todos os meus, sem muita bola pra métrica, martelos e escolas.
Preservo apenas a rima, que considero indispensável numa poesia. Com o perdão
dos modernos e pós-modernos e respeito a eles, mas meu reduto clássico repousa
nas rimas. Seja como for, depois de um bom tempo, escrevi um soneto, o que eu
fazia quase em escala industrial. O tempo livre era demasiado e as preocupações
eram poucas.
Conta é que eu escrevi esse soneto ontem. E hoje, meu pior
leitor teve acesso a esse escrito. E para variar não gostou.
Tenho sérios problemas com esse meu pior leitor porque ele
é, ninguém menos que eu mesmo. E isso, às vezes, me incomoda. Como posso, ao
escrever, gostar do que acaba de sair (e confesso que ao fim do soneto, achei-o
interessante) para poucas horas depois quase me arrepender de tê-lo escrito?
Não é uma sensação nova. Sinto-a desde quando comecei a escrever, com uns
dezoito anos.
Também o contrário, às vezes, acontece. Escrevo alguma coisa
que, no último ponto, me desagrada. Penso “Poderia ser melhor”, mas deixo assim
mesmo. Quando muito dou um retoque (e entendo a expressão “emenda pior que o
soneto”). Passam-se dias, meu pior leitor vem, lê e fala na minha alma “Não
acredito que você escreveu isso! Está muito bom!”. Meu pior leitor é meu maior
crítico e um sujeito que, pelo visto, ama me sacanear. Só eu não entendo esse
momento esquizofrênico de escrita e leitura tão dissonantes numa mesma pessoa.
Há muitos anos, conversando isso com minha ex-psicóloga, ela
me aconselhou a ler algo sobre Dr. Jekyll e Mr. Hyde, que são a mesma pessoa.
Quem não conhece, a história conta sobre o brilhante Dr. Jekyll que tem seu
lado demoníaco ao qual chama de Mr. Hyde. Cheguei a essa conclusão. Escrevendo
sou um Dr. Jekyll (que presunção!) e ao ler sou o Mr. Hyde. No filme, Jekyll
garante que tem controle sobre seu lado mau, mas não é o que acontece. Hyde
toma cada vez mais conta de Jekyll e se transforma quase em sua primeira
natureza.
Bem é verdade que minha vida anda atribulada. Fim de ano,
notas a fechar e entregar, aulas a ministrar, cansaço, expectativa, um
caldeirão fervilhante que impede mais e melhores escritos. Porém, escrever,
para mim, é, quando não uma terapia em que solto bichos e coisas que não
saberia falar, uma diversão. Escrever, ao lado de ler, sempre foi um prazer do
qual eu não me privava se tenho oportunidade. O problema é que, além de todos
os contratempos, esse Mr. Hyde que se esconde em mim, às vezes, tem atacado meu
Jekyll escritor a pauladas fatais. Inspiração para um poema, uma crônica até
tenho. Só que antes deles virem à luz vem meu pior leitor e impede que o
aconteça. Pegar esse censor íntimo dormindo permite respirar em letras como
aconteceu ontem.
Acho interessante ter o lado crítico e sensato para impedir,
ou mesmo parar, qualquer coisa que esteja sendo escrita e não seja boa. Mas me
agradar tem sido complicado. Espero controlar esse Hyde maldito ou dar nele as
mesmas pauladas que levo. Enquanto isso, a cada sono dele, um poema novo pode
sair. Enquanto isso, o blogue vai sendo construído. Com essas postagens ele não
implica.
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