Eu estava assistindo a um jogo de futebol entre França e
Alemanha quando o primeiro estrondo aconteceu e outros dois se seguiram.
Inocentes e sem imaginar do que podia se tratar (a cabeça da gente, pessoas de
boa índole, ingenuamente nunca pensa o pior), os narradores apostavam em
rojões. Foi bem depois que a verdade veio. Eram bombas e não eram as únicas e,
muito menos, o pior. Paris estava fechada sob ataque. Tiros no centro da cidade.
O Terror se achegou numa sexta-feira treze simbólica. O Jason não vestia
máscara. Muitos desconfiaram que vestia turbante. Infelizmente estavam certos.
O Bataclan da vida real se transformava de lendária casa de
shows num inferno em que a vida podia se abreviar numa decisão insana, que foi
o fim de muitos. As facilidades da vida real mostraram quão tenso é estar num
lugar desses quando um homem, de lá de dentro, com medo, narrou via Facebook o
que se passava. Uma a uma, as pessoas eram mortas. Não sei que fim levou o
rapaz. Seja qual for seu destino, se salvo, Marianne já estava bastante ferida.
Marianne é a alegoria com a qual os franceses representam sua pátria. Algo como
se os brasileiros escolhessem Iracema para ser a figura nacional. Lá, no
entanto, é oficial a personificação de Marianne. E ela tinha sido alvejada. A
romântica e poética Paris vivia momentos de campo de batalha desconhecidos
desde a invasão alemã.
Da mesma forma que o mundo moderno nos transporta para o
lado de um pobre homem que vê sua vida em risco, as redes sociais já se
encheram de hashtags e o famigerado “Je suis”. Bandeiras francesas se
espalharam pelo mundo virtual e orações por Paris se alastraram. Vilões, claro,
foram culpados no mesmo momento. Imigrantes, que fugiram como puderam do mal
que lhes perseguiu, viraram os inimigos. Todos foram para o mesmo balaio.
Claro que eu não acredito no poder de hashtags. Por elas, a
corrupção no Brasil (e no mundo) tinha acabado, criminosos estariam condenados,
crianças estariam salvas das mais diversas doenças e o Justin Bieber ou o One
Direction teriam um milhão de esposas e namoradas. Nem tudo pode ser exatamente
bom. Se não podem solucionar o mundo, podem ajudar. A hashtag #porteouverte era
a senha para as pessoas que estavam no fogo saberiam que diversas casas nas
imediações as receberiam. Também foi muito louvável que taxistas desligaram
taxímetros para tirar dos locais de perigo as pessoas desesperadas e
desprotegidas vez que metrôs tinham parado e a cidade estava convulsionada
Pequenos sopros de solidariedade que fazem acreditar que existem pessoas boas
(em diversas religiões) e não só malucos portando AKs.
Aliás, desde que comecei a estudar francês por conta da
minha faculdade, permeada por franceses, passei a conhecer a história do país e
a desmontar a ideia do francês arrogante, mal educado e porco. Gente assim
existe democraticamente em qualquer lugar e fala qualquer língua. A França,
desde sempre, foi grande incentivadora do livre-pensamento e da coexistência e
convivência entre as diferenças. A célebre frase “Não concordo com uma palavra
que dizes, mas defendo teu direito de dizê-las” é de um francês, Voltaire,
embora muitos questionem isso. De qualquer forma é sabido que a França deu
guarida a diversos perseguidos, bons e maus, e o dá até hoje. Gente com tamanha
tolerância nunca é bem vista. Hitler via os franceses como inimigos potenciais
e exemplo máximo de impureza. Marianne tem esse “defeito”.
Do outro lado do oceano, uma região está submersa debaixo de
lama tóxica. A empresa responsável joga a batata para uma subsidiária e o
governo estipula uma multa para a empresa pagar. Multa gorda, multa grosse. O que os conterrâneos falam?
Nada! Quem chora pelo desastre ambiental e a perda de vidas e bens? Nada.
Marianne cura suas feridas, mas pensa nas feridas de Mariana. Devia-se fazer o
mesmo aqui. Infelizmente, para muitos brasileiros, la mort em français é mais bonita, a causa é mais nobre e o inimigo
mais perigoso. Mariana que espere Marianne se recuperar. Talvez seja tarde
demais, mas e daí? Hashtag tendo #uai não tem o charme de #jesuis qualquer
coisa. Assim segue o mundo, que perde gente seja pelo fanatismo cego de
diversos grupos como pela indignação seletiva de quem, de fora, pouco se
importa.
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