sábado, 14 de novembro de 2015

Marianne, Mariana e o mundo

Eu estava assistindo a um jogo de futebol entre França e Alemanha quando o primeiro estrondo aconteceu e outros dois se seguiram. Inocentes e sem imaginar do que podia se tratar (a cabeça da gente, pessoas de boa índole, ingenuamente nunca pensa o pior), os narradores apostavam em rojões. Foi bem depois que a verdade veio. Eram bombas e não eram as únicas e, muito menos, o pior. Paris estava fechada sob ataque. Tiros no centro da cidade. O Terror se achegou numa sexta-feira treze simbólica. O Jason não vestia máscara. Muitos desconfiaram que vestia turbante. Infelizmente estavam certos.
O Bataclan da vida real se transformava de lendária casa de shows num inferno em que a vida podia se abreviar numa decisão insana, que foi o fim de muitos. As facilidades da vida real mostraram quão tenso é estar num lugar desses quando um homem, de lá de dentro, com medo, narrou via Facebook o que se passava. Uma a uma, as pessoas eram mortas. Não sei que fim levou o rapaz. Seja qual for seu destino, se salvo, Marianne já estava bastante ferida. Marianne é a alegoria com a qual os franceses representam sua pátria. Algo como se os brasileiros escolhessem Iracema para ser a figura nacional. Lá, no entanto, é oficial a personificação de Marianne. E ela tinha sido alvejada. A romântica e poética Paris vivia momentos de campo de batalha desconhecidos desde a invasão alemã.
Da mesma forma que o mundo moderno nos transporta para o lado de um pobre homem que vê sua vida em risco, as redes sociais já se encheram de hashtags e o famigerado “Je suis”. Bandeiras francesas se espalharam pelo mundo virtual e orações por Paris se alastraram. Vilões, claro, foram culpados no mesmo momento. Imigrantes, que fugiram como puderam do mal que lhes perseguiu, viraram os inimigos. Todos foram para o mesmo balaio.

Claro que eu não acredito no poder de hashtags. Por elas, a corrupção no Brasil (e no mundo) tinha acabado, criminosos estariam condenados, crianças estariam salvas das mais diversas doenças e o Justin Bieber ou o One Direction teriam um milhão de esposas e namoradas. Nem tudo pode ser exatamente bom. Se não podem solucionar o mundo, podem ajudar. A hashtag #porteouverte era a senha para as pessoas que estavam no fogo saberiam que diversas casas nas imediações as receberiam. Também foi muito louvável que taxistas desligaram taxímetros para tirar dos locais de perigo as pessoas desesperadas e desprotegidas vez que metrôs tinham parado e a cidade estava convulsionada Pequenos sopros de solidariedade que fazem acreditar que existem pessoas boas (em diversas religiões) e não só malucos portando AKs.

Aliás, desde que comecei a estudar francês por conta da minha faculdade, permeada por franceses, passei a conhecer a história do país e a desmontar a ideia do francês arrogante, mal educado e porco. Gente assim existe democraticamente em qualquer lugar e fala qualquer língua. A França, desde sempre, foi grande incentivadora do livre-pensamento e da coexistência e convivência entre as diferenças. A célebre frase “Não concordo com uma palavra que dizes, mas defendo teu direito de dizê-las” é de um francês, Voltaire, embora muitos questionem isso. De qualquer forma é sabido que a França deu guarida a diversos perseguidos, bons e maus, e o dá até hoje. Gente com tamanha tolerância nunca é bem vista. Hitler via os franceses como inimigos potenciais e exemplo máximo de impureza. Marianne tem esse “defeito”.

Do outro lado do oceano, uma região está submersa debaixo de lama tóxica. A empresa responsável joga a batata para uma subsidiária e o governo estipula uma multa para a empresa pagar. Multa gorda, multa grosse. O que os conterrâneos falam? Nada! Quem chora pelo desastre ambiental e a perda de vidas e bens? Nada. Marianne cura suas feridas, mas pensa nas feridas de Mariana. Devia-se fazer o mesmo aqui. Infelizmente, para muitos brasileiros, la mort em français é mais bonita, a causa é mais nobre e o inimigo mais perigoso. Mariana que espere Marianne se recuperar. Talvez seja tarde demais, mas e daí? Hashtag tendo #uai não tem o charme de #jesuis qualquer coisa. Assim segue o mundo, que perde gente seja pelo fanatismo cego de diversos grupos como pela indignação seletiva de quem, de fora, pouco se importa.

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