terça-feira, 10 de novembro de 2015

A orwellização do mundo

Um dos livros mais chocantes que li foi o 1984 do George Orwell. Erro crasso meu de ler o livro após assistir ao filme (nunca façam isso!). O livro é bem mais terrível que a película e fez pensar nesse lance de Grande Irmão, da eterna observação que o vivente está submetido. E é tenso pensar que muita gente se sujeita de uma forma passiva a isso ou é seduzida sem perceber. Se é verdade que não temos um Partido que controle nossas vidas no plano sócio-político como houve em Oceânia nem a Novafala foi implantada (embora, certa forma, o empobrecimento linguístico trazido pelas redes dá fumos disso), a sensação de que estamos observados parece ser meio latente.
No livro de Orwell, cada cidadão é catalogado de alguma forma, tem uma espécie de identificação. Algo parecido, afinal todos temos nossos CPFs, nossos RGs, em nossos trabalhos temos uma inscrição e assim vai. Necessidades burocráticas que tornam (ou deviam tornar) a vida mais fácil. Quantos josés-da-silva existem nos lusófonos? Smiths, então, nos anglófonos, existem a rodo, muito além do Winston e muito além da banda do Morrisey. Nesse ponto, o número serve para distinguir.
Agora, a observação, a sensação incômoda de que um site na Califórnia conhece o que gosto de comprar, de assistir, o que penso politicamente, quais meus gostos musicais entre outras coisas é algo realmente pra assustar. Seja no computador enquanto digito este texto ou no celular enquanto navego, escuto música, sou açoitado por propagandas que, veja só!, vêm ao encontro dos meus agrados. Nunca sou incomodado por propaganda de cerveja, não sou convidado a ir ao mundo de cigarro algum, pois não fumo nem bebo. Mas, enquanto estou dando risadas de um site engraçado, aparece o merchan de uma livraria com títulos novos (boa parte deles não me chama ao coração. ufa, que sorte!) ou do novo disco que um artista de estilo similar ao que eu gosto (tipo, NX Zero, igualzinho ao Engenheiros do Hawaii, que eu adoro). Claro... Deixei essas informações em alguma rede social que participo. O artista, eu sigo em outra. A livraria eu visitei no site. Isso tudo engorda uma pasta que imagino, naquele relance esquizofrênico, com meu nome e informações sobre mim que nem eu mesmo conheço. Isso sem contar as deduções (i)lógicas que suponho eu façam. Por sorte, em muita coisa, caso do artista e estilo que eu disse, eles erram feio, erram rude.
O problema é quando para esses sites você simplesmente não existe ou, pior, você não é você, você é outro. Aconteceu comigo hoje quando fui entrar no Facebook (na verdade, voltar. Tinha entrado de manhãzinha e saído. Fui matar meu vício de conferir novidades) e sou informado que, segundo os funcionários e/ou estagiários do tio Mark, meu nome não é meu. Há pouco mais de um ano, uso no meu perfil meu apelido e não meu nome. Alguém deve ter achado Francisco Libânio um nome muito parecido, sei lá, com Brad Pitt e achou absurdo que um homem mais bonito que ele usasse esse nome por pura inveja. Denunciou minha conta ao Face que recomendou que eu o mudasse. Sem problema. Num mundo informático e informal, Chico é até mais seguro. Passei a ser o Chico Libânio que sempre fui no colegial. Pois muito bem. Hoje, o Face decidiu, sabe-se lá se por denúncia alheia ou implicância de alguém lá dentro (tenho muitos inimigos que trabalham no Facebook, eu acho, que devem ter uma inveja do meu sucesso), que Chico Libânio também não pode ser. Assim, quando entrei, pediram que ou mudasse meu nome (mandasse meu nome real, que não é aceito) ou provasse que eu sou eu. Instruído em como proceder, mandei foto de documentos (reais, sem nada de rede social, dois números que o “Partido” – o Estado – me deu, RG e título de eleitor). Agora aguardo os trâmites.
Longe de mim achar errado esse procedimento. As redes sociais, o Faceboook, coqueluche há anos, tem servido de esconderijo para os mais diversos insanos e irresponsáveis de opiniões criminosas e ideias próximas de terrorismo. Assim vemos gente defendendo extermínio de nordestino, morte a homossexuais, muçulmanos e negros como a domesticação de mulheres, esses seres que são biblicamente inferiores aos homens. Os argumentos para suas teses vão do absurdo ou mentiroso. E como se não bastasse a insensatez, ainda, usam fotos que não são suas, desenhos, símbolos e nomes que, evidentemente, não são seus. Escondidos, podem agredir, ofender e ameaçar. Não é meu caso, evidentemente, mas essas pessoas precisam ter uma forma de serem identificadas.
Sempre defendi que, ao entrar num fórum, num portal de notícias e, claro, uma rede social a pessoa obrigatoriamente devia deixar ali um cadastro real mesmo, e principalmente, se usar um pseudônimo. As pessoas precisam ser responsáveis pelas bobagens que dizem. É muito fácil dizer que tem que afogar nordestino e usar como nome Eric Cartman e o avatar do gordinho de South Park. Quem o processaria? É o que acontece com muitos no Face. Agridem, criam páginas de ódio pregando loucuras. Pode-se ser contra gays, comunistas e feministas. É uma condição da liberdade de expressão se opor ao que se convencionou chamar politicamente correto, paciência se se discorda disso. Mas entre ser contra e pregar a morte de homossexuais e o estupro de feministas além da prisão de não sei quais opiniões há uma distância perigosa e que deve ser combatida, pois sai da seara da opinião e entre no campo da apologia à violência. Não acho que estejam dissociados o discurso feroz de alguns parlamentares contra a imigração e a morte de um haitiano em Santa Catarina. E contra gente que prega esse tipo de coisa em páginas de jornais, confesso, não sou exatamente cristão. Ora respondido ora respondendo, quando o nível abaixa, não faz sentido ser diplomático e parto para a igual estupidez, seu idioma fluente. Aí o agressor, normalmente, corre para o papel de coitado agredido e recorre ao site para providências. Providências, que infelizmente, não são tomadas contra ele agressor, embora o Face tenha cancelado diversas páginas extremistas e algumas páginas de militância, uma Justiça cega que puniu agredidos e agressores.
A orwellização do mundo, praticada por Google e Facebook, colocam você na sua forma mais pura para quantas empresas se interessarem (a começar por elas mesmas), mas é preciso que se saiba que você é muito mais que um perfil na rede social, um número. Acho justo que o Facebook tenha o cuidado de saber quem eu sou. Não nego meu nome, minha opinião e minhas convicções. Talvez deva moderar meu trato com a ignorância alheia. De ser cristão e dar a outra face devo ser budista e ignorar o mal que se faz, pois sou superior. Espero que o Facebook, de posse de meus dados, saiba que eu sou eu, que eu existo no mundo fático. Por ora, estou desplugado do mundo. Numa sala 101? Não sei. Se temporariamente deixei de existir, fora dessa realidade paralela, nessa outra, de coisas tácteis continuo sendo eu mesmo. Que eu não tarde a voltar, mas que minha volta seja definitiva para não mais haver incômodos. 

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